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Em 2001 fui pro Atacama sozinho numa viagem de dez dias onde rodei quase 9.000 km.
Ao chegar em San Salvador de Jujuy, no terceiro dia da viagem, chovia muito e passei por alguns trechos alagados na Ruta 9 em direção ao povoado de Purmamarca, onde começa a travessia do Paso de Jama.
Na praça do vilarejo, onde cheguei totalmente enlameado, perguntei pra uma senhora que curtia a chuva na porta de uma pequena loja onde poderia pernoitar. Ao ver meu estado lastimável ela deve ter imaginado que os hotéis nem iriam me aceitar e perguntou quanto eu queria gastar: pouco ou muito. Ironicamente respondi médio e ela me mandou pra uma pousada de 7 pesos (na época o peso estava 1 pra 1 com o dólar).
No dia seguinte seria a travessia do esperado Paso de Jama e ao chegar em Susques já comecei ficar preocupado com o que poderia encontrar pela frente. Dai pra frente, até a divisa com o Chile, era só ripio.
Neste quarto dia da viagem cruzei com somente 3 automóveis, que de um jeito ou outro me ajudaram.
O primeiro foi um Fiat 147, caindo aos pedaços, que deixou as marcas que usei para atravessar o açude que estava transbordando. Alguns quilômetros depois de Susques pilotando por uma região que você não sabe pra onde olhar de tão bonito cruzei com dois motociclistas montados nas suas KTM com pneus biscoito que como eu vinham lentamente em sentido contrário. Ao passar por eles acenei e estranhei a reação dos dois motociclistas. Nem desviaram o olhar e tampouco responderam ao meu aceno.
Fiquei matutando dentro do capacete qual a razão daquela falta de educação e alguns quilômetros depois descobri o porquê. Uma grande marca no ripio molhado de um terreno que um dos caras tinha acabado de comprar e logo depois também comprei o meu. Foi quando o segundo carro do dia me ajudou a levantar a moto. Uma fiorino guiada por um senhor com seus dois filhos que eram verdadeiramente uns armários fizeram questão de levantar minha moto. Dai pra frente também fiquei mal educado, não tiraria as mãos do guidão por nada neste mundo. O ripio molhado engana o motociclista, por baixo do cascalho inofensivo se esconde uma camada muito lisa de lama.
Mais a frente, há alguns quilômetro da fronteira com o Chile onde começaria um asfalto de primeira, cheguei num riacho que atravessava a estrada. Há anos não chovia na região. Amigos que passaram dias depois pela região e o Diego que fez exatamente o mesmo percurso, um ano depois, também não passou pelo riacho. Decisão difícil a tomar, voltar dali seria muito frustrante, atravessar o riacho um pouco mais rápido seria o ideal mas o risco de um tombo na água com aquela moto pesada e ficar preso debaixo dela e sozinho nem pensar. A decisão foi fazer a travessia lentamente e não deu outra, a roda traseira começou patinar e acabei entalado no meio da água.
As 5 horas da tarde, preso e sozinho em pleno altiplano Andino não tinha muito o que fazer a não ser tirar umas fotos e quando já estava escolhendo um lugar menos pedregoso pra montar a barraca vi ao longe uma Mitsubishi L 200 que vinha em sentido contrário. Foi o terceiro carro do dia. Era um casal que viajava com a filha adolescente que na pureza da idade ficou alegremente tirando fotos enquanto seu pai e eu ancorávamos a moto dentro d’água e sua mãe arrastava em marcha a ré a gente pra fora d’água.
Dei umas viradas no motor sem as velas pra evitar um possível calço hidráulico, coloquei as mesmas, fiz uma figa mental e dei a partida. O motor pegou na primeira e depois de umas tossidas e muita água espirrada do escape voltou a girar suavemente. Montei as bagagens, agradeci profundamente o casal salvador e seguimos viagem cada um pro seu lado. Só pensava no belo asfalto que iria encontrar poucos quilômetros a frente apos cruzar a fronteira. Agradeci muito também pro anjo da guarda e dai pra frente foi só alegria.
Ao cruzar a fronteira, há poucos metros do asfalto novo que me levaria até San Pedro de Atacama, jurei não passar nunca mais por ali e exatamente um ano depois lá estava eu novamente, agora com minha filha na garupa e o grande amigo João Cordeiro indo pra Machu Picchu. Nunca diga “desta água não beberei”.
Como médico, Dr Décio não sabe dizer se o motociclismo é uma doença hereditária ou se pegou o vírus ao andar no tanque da moto do pai, uma Triumph 500, aos 7 anos de idade, quando ele e mais três amigos, em 1949 se preparavam pra ir até a Argentina. Foi um dos fundadores da pioneira equipe de enduro “Alice no pais das trilhas”. É um motociclista de mão cheia, daqueles que, ainda hoje em dia, encara o transito de SP em sua BMW GS1250 diariamente, é também um aventureiro de primeira linha, cruzou a transamazônica em algumas ocasiões, em 1983, 1988, foi ao México, USA, Alasca, praticamente toda América do Sul…em cima de uma motocicleta. Liderou alguns passeios de eventura pela Off Rush com as KTM e ha alguns anos organiza os passeios do Caltabiano Moto Club com as BMW
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Como é bom rever estas fotos. Quanta saudade.
Kkkk, parece aquelas viagens que, saímos de casa no maior sol, nem na metade do caminho desaba verdadeiras monções.
Como é bom rever estas fotos. Quanta saudade.
Como é bom rever estas fotos. Quanta saudade.