A Trinca de Ases
Super Trunfo
Olhando para elas não percebemos que se tratam de motocicletas do século passado, do último milênio até mesmo! Pois sim, foi nos últimos anos da década de 1990 que os fabricantes japoneses resolveram brincar de super trunfo, e a brincadeira foi intensa!
Antes de falar sobre cada uma delas, vale lembrar que todas elas passaram por diferentes testes, em diferentes partes do mundo, pistas, altitudes, temperaturas e etc. Desta forma existem diversos números de velocidade máxima pra cada uma delas. A precisão não nos preocupa agora, apenas contar a história.
A batalha da velocidade máxima em uma motocicleta estava em trégua há muitos anos, e a Kawasaki ZX-11 reinava absoluta com números na casa dos 283 km/h. A Suzuki GSXR 1100W vinha logo atrás atingindo 274 km/h. Eram números como outros quaisquer, indicações de aceleração, frenagem, potência ou torque de um motor. Não havia, oficialmente, uma disputa por esse reinado.
A Honda CBR 1100XX Super BlackBird
Até que, em 1996 (modelo 1997) a Honda lança uma moto incrível, com nome comprido parecendo de príncipe: “Honda CBR 1100XX Super BlackBird” – seu nome, em tradução livre pássaro preto, a principio não tinha relação com a ave, mas sim com o caça Norte Americano Lockheed SR-71 BlackBird – supersônico capaz de atingir a velocidade Mach 3.2 – algo na casa dos 3.900 km/h – assim ela deixava claro a intenção de ser a grande rainha da velocidade. E foi!
Muito embora muitos acreditem ser a CBR1100XX a evolução da CBR1000F, são máquinas completamente diferentes, por exemplo, o motor da BlackBird deriva diretamente da CBR900 RR, uma geração a frente do que equipava a sport touring.
A moto carburada mais veloz do mundo
De fato chegou batendo recordes, foram aferidas velocidades na faixa dos 287 a 290 km/h reais – um míssil! Em seu lançamento ela veio carburada, assim permaneceu até 1999 quando a Honda lançou mão da injeção eletrônica, uma das principais evoluções que o modelo recebeu em sua história. Entretanto, mesmo com essa atualização, a velocidade máxima aferida não mudou muito no decorrer dos anos, muito embora o ponteiro de seu velocímetro indicasse velocidades acima dos 300km/h, a velocidade real sempre rondava esse número absoluto, mas não o superava.
A situação estava controlada, a Honda tinha então a absoluta hegemonia da velocidade máxima, e o público começava a perceber que as máquinas de rua conseguiam atingir velocidades antes vistas apenas em competições de altíssimo nível. Até que veio…
Suzuki GSX1300R Hayabusa
Ninguém joga Super Trunfo sozinho, foi em 1999 que a Suzuki lançou a GSX1300R Hayabusa. A competição começava já pelo nome, que, além de pomposo era provocativo: Hayabusa em japonês é o nome de uma ave (essa de verdade), o falcão peregrino, que é justamente a ave mais veloz do mundo, atingindo mais de 300km/h quando mergulhando das altitudes atrás de uma presa, mas a provocação não parava por ai, uma das presas comuns do falcão peregrino era justamente… o pássaro preto.
Ela nasceu injetada
Muita gente desconhece o fato da Hayabusa já ter nascido “injetada”. Isso mesmo, desde o primeiro modelo, sempre teve injeção eletrônica de combustível. Um sistema bem primitivo, com poucos sensores e regulagem bem precária de fato. Para as manhãs frias, o acionamento do afogador se tornava obrigatório – pois é, afogador em motocicleta com injeção eletrônica, já deu pra imaginar o quão simples e arcaico era o sistema de injeção, e essa é a raiz da confusão a respeito de ser carburada ou não. Para o simples observador: se tem afogador é carburada.
E destronou a CBR1100XX
Bem, e de fato ela “se alimentou” da BlackBird, se por um lado a CBR era muito mais bonita, a “esquisita” Suzuki trazia em seu design uma preocupação enorme com a aerodinâmica, sem falar na força bruta do motor, se a Honda ostentava 164 cv, a Hayabusa esfregava de volta 175 cv e entregava, já nas primeiras unidades velocidades reais aferidas acima dos 300km/h ( 303 a 312 km/h dependendo do teste realizado). Nosso amigo Cicero Lima, acompanhou o teste na Duas Rodas, onde ela bateu 301 km/h de velocidade máxima real (aferida pelo radar da Polícia Rodoviária)…
Kawasaki ZX-12R
Foi no ano 2000 que o último fabricante entrou na brincadeira, a Kawasaki com a Ninja ZX-12R. A mais poderosa das 3 máquinas, despejando “normais” 178 cv, mas quando em alta velocidade, a enorme tomada de ar dianteira pressuriza a caixa de ar, empurrando mais mistura pra dentro do motor e atingindo inimagináveis (há 22 anos) 190 cv.
Apendices aerodinâmicos e quadro “monocoque”
A moto vinha recheada de inovações, além de já ter nascido injetada também, trazia um quadro inovador, denominado monocoque, e umas curiosas asinhas na carenagem. Somente anos mais tarde começamos a ver alguns adereços aerodinâmicos nas motos do campeonato mundial MotoGP, hoje diversas motos esportivas já saem de fabrica com tais apêndices, mas a “12” como é conhecida, foi pioneira, uns dizem que há uma inspiração aeronáutica de seu projeto, e tal afirmação faz todo sentido, já que a Kawasaki Heavy Industries fabrica, além de motocicletas, aviões (além de navios, helicópteros, trens etc).
A última carta do Super Trunfo
Algumas pouquíssimas unidades ano/modelo 2000 tem sua velocidade máxima liberada, pois logo depois de seu lançamento, o tal acordo entre os fabricantes decretou a limitação da velocidade final, e, mais importante que isso, o fim da brincadeira “Super Trunfo”
De qualquer forma, apesar da maior potência, ela não foi capaz de superar a Hayabusa em velocidade final, ou se igualou, pois as diferentes medições variaram entre 308 e 311 km/h. Moto fortíssima e que com certeza teria condições de destronar a Hayabusa caso a limitação não existisse, e se, nos anos seguintes o desenvolvimento e o esforço, neste sentido, continuasse.
Rodando com as feras
Andando com as 3 motos, nota-se diferenças importantes.
A Super BlackBird é a mais dócil de todas, sem nem de longe querer dizer “impotente”, a potência sobra, mas como de costume as motos da Honda são de fácil condução, a XX não é exceção a essa regra, permite passeios a beira da praia, com uma mão no guidão apenas, com garupa, bem tranquilos… Mas, é claro, estando pronta a atender ao se esticar o cabo.
A Hayabusa é uma grande surpresa, normalmente as Suzukis são motos mais ásperas, priorizando desempenho, sem grandes preocupações de acabamento e tão pouco com o funcionamento em baixa rotação. A Hayabusa, é muitíssimo bem acabada, um lindo painel, uma mesa muito bonita, semi guidons, punhos, tudo com grande preocupação estética, encaixes perfeitos, e possui um motor surpreendentemente silencioso em marcha lenta, agradável em uso “civil” mas ávida a mostrar seus préstimos em altíssimas velocidades. A diferença de desempenho da Hayabusa para a XX, ambas originais, é muito grande em altas velocidades. Acima dos 280 (de velocímetro) quando a Honda começa a ficar cansada, a Hayabusa ainda está em quinta marcha (que só é engatada aos 300km/h de velocímetro) e esbanja torque, despachando a XX depois da sexta marcha engatada. A ZX-12 é a mais cavala de todas, mostra logo seus músculos, não permite uma pilotagem desavisada, não brinca em serviço, em minha opinião, uma SuperBike à moda antiga.
Achou pouco? então coloca mais pimenta.
Preparação comum na época, era trocar o sistema de escapamento original das motos por “full system” das marcas Akrapovic ou Yoshimura (Muzzy e outras boas marcas também), reprogramar as injeções (ou recalibrar os carburadores) com kits da Dynojet e trocar os filtros de ar pelos da marca “K&N” – essa receita, cujo investimento não ultrapassava 10% do valor de compra da moto, entregavam em média 7 a 12 kg a menos e cerca de 15 a 20 cv a mais – sem falar no ganho do torque. Essas criaturas, que já eram as motos (produzidas em série) mais rápidas do planeta, se tornavam então monstruosamente velozes.
A trinca de Ases do acervo do Motos Clássicas 80
Os três exemplares mostrados neste artigo fazem parte do acervo do Motos Clássicas 80, são motos muito raras. A CBR1100XX é um exemplar do primeiro ano de produção (modelo 1997), carburado, importado de forma independente e, é claro, irrestrita ainda. A Hayabusa é uma 1999, da cor oficial do lançamento (cores “inspiradas” na cor do empenamento do falcão peregrino), e com velocímetro cuja escala vai até os 350km/h. A ZX-12R, moto muito rara, é da primeira safra também, na tradicional cor da Kawasaki – Metallic Lime Green, também irrestrita e com velocímetro com escala completa -a tal “trinca de ases”.
O que existe acima dos 300km/h?
Eu já acelerei acima dos 300km/h (indicados no GPS), mas vamos combinar? Não faz sentido algum… Se não faz sentido, afinal, qual a razão pra fazer motos que poderiam ser usadas em seu potencial máximo apenas em alguns poucos quilômetros de estradas ao redor do mundo? Nem mesmo os circuitos de competição tem retas suficientemente grandes pra atingir a velocidade máxima delas?
O importante não são os 300 km/h mas sim o desenvolvimento, tecnologia e tudo mais que veio antes da moto ficar pronta. Esse desenvolvimento acaba sendo derramado no restante da linha, e aos poucos a tecnologia vai se tornando mais acessível, sem falar é claro, no marketing, e o quanto cada marca se auto afirmou, mostrando poder, em cima desses números.
Ação e reação
Quando o Diego Rosa comentou sobre este artigo, confesso que viajei no tempo. “Diegão você não acredita o burburinho que acontecia na redação da Revista Duas Rodas, cada vez que uma dessas três motos aparecia por lá…”Legal, então escreve sobre isto”, respondeu.
Cicero Lima
Era dito e feito, a galera não aquentava e sempre ligava esses bólidos lá na garagem da Sisal Editora – que ficava na Rua Samuel, Vila Mariana (SP). Por vezes estávamos em reunião ou concentrados fechando matérias e o som grave dos escapes “estremecia” a casa e nos chamava. Era a hora da pausa, descer para tomar um café e falar das motos. Parecia missa, todos atendiam ao chamado.. desde o Josias Silveira (diretor) até o Carlão (motoboy) para “babar” naqueles modelo e falar de motos, claro!
Como repórter eu tive a felicidade de andar nas três.
A Kawasaki Ninja ZX-12 era desafiadora, gostava de andar forte e sua presença na estrada sempre chamava alguns carros para o “pega”. Uma vez na Fernão Dias o dono de um Omega, achou que poderia encarar a XZ-12… Lembro do carro sumindo no retrovisor, aquele acelerador era passaporte para outra dimensão…
A Suzuki Hayabusa era ainda mais cruel com os motoristas. Além de andar muito, gostava de fazer curvas e desafiar o limite dos pilotos. Era diversão pura!!!
Por fim a Honda Black Bird que, como disso o Diego, “começou a brincadeira”, até escrevi sobre a incrível sensação de passar dos 250 e “pista ficar estreita” (leia aqui).
São lembranças de muita velocidade e PODER. Por vezes fazia questão de andar devagar e curtir o torque dos motores de quatro cilindros. Uma verdadeira estupidez em forma de cilindros, pistões e virabrequins. Ao parar no farol, o dono de esportiva chegava e olhava desconfiado. Sabia que aquela usina de força, que esbanjava torque, poderia deixá-lo comendo poeira… Era a lei da ação e reação!
Aos 51 anos, Diego completa 38 intensos anos de motociclismo! Colecionador detalhista e aficionado por motos clássicas, principalmente as dos anos 1980. Ultrapassando a marca do 1.000.000 de km rodados – Seja como piloto de testes da revista Duas Rodas, aventurando-se pelo mundo em viagens épicas e solitárias em motos super-esportivas ou quebrando recordes de distancia e resistência sobre a motocicleta onde conquistou 18 certificados internacionais “IronButt”.
Lindas, o máximo em tecnologia do final dos anos 90. Boa lembrança.